quinta-feira, 3 de julho de 2014

Rio de Mouro - a "minha" terra

Iniciam-se hoje e decorrem até ao próximo dia 6 de Julho as Festas da Vila de Rio de Mouro.

Vivo em Rio de Mouro há praticamente 50 anos. Aqui cresci, aqui fiz a Escola Primária (com a saudosa Professora Isabel, que morava numa bonita vivenda junto à estação da CP), aqui casei (na Igreja de Nossa Senhora de Belém (em cerimónia celebrada pelo Padre Delmar Barreiros) em Rio de Mouro Velho, aqui sepultei, no cemitério local, alguns dos meus familiares. Por tudo isto, e tendo nascido em Lisboa, considero esta a "minha" terra.
  
Lembro-me de como era Rio de Mouro há 50 anos atrás, um pequeno aglomerado urbano a despontar junto à velha estação do comboio, as várias quintas na Rinchoa e Rio de Mouro Velho, o espaço eminentemente rural que o "cimento" dos anos 70 / 80 descaracterizou gradualmente. Lembro-me do vendedor de perus que, no Natal, arrastava os bichos atrás de si, presos numa corda, andando a vendê-los de porta em porta. Lembro-me do velho posto da UCAL onde se levava uma garrafa de vidro para encher com leite, assim como da mercearia do Sr. Alexandre com as postas de bacalhau "demolhado" em alguidares à porta, as sacas de arroz, feijão e grão abertas e o azeite que a minha mãe me mandava comprar e que era vertido para a garrafa a partir de um recipiente com uma pequena torneira. Lembro-me da taberna do Sr. João onde o meu saudoso pai me mandava comprar vinho para o jantar (do "especial") e um maço de "High Life", o tabaco que fumava. Lembro-me do forno da cal que existia no mesmo sítio onde hoje está a Escola Secundária Leal da Câmara e do grande eucaliptal em seu redor. Lembro-me do cinema ambulante (verdadeiro Cinema Paraíso) que surgia de vez em quando e que assentava arraiais no largo junto à estação da CP, projectando no interior da grande tenda, filmes como o "Sarilho de Fraldas", com o António Calvário e a Madalena Iglésias ou o Spartacus, com o Kirk Douglas, dois daqueles que me lembro de ver, depois do meu avô Luís pedir ao dono do tal cinema que me deixasse entrar, apesar dos meus 7 ou 8 anos estarem muito abaixo do "escalão etário" permitido... Lembro-me das provas de motocrosse nos terrenos junto à estação da CP, do lado da Calçada da Rinchoa, e onde mais tarde foi construída a primeira igreja (uma pequena capela) em Rio de Mouro (Estação). Lembro-me de, naqueles meses que se sucederam ao 25 de Abril de 1974, chegar um dia à janela da casa dos meus pais (onde ainda hoje mora a minha mãe) e ver uma "chaimite" a descer a rua em frente, com grande alarido dos miúdos e espanto de homens e mulheres, sendo que aquilo que se dizia era que viera "caçar" um "informador da PIDE". Lembro-me da Amália Rodrigues a cantar num palco improvisado dentro das garagens dos prédios na Calçada da Rinchoa onde, a seguir ao 25 de Abril, também foram colocadas as urnas para as eleições, com longas filas de votantes como jamais visto...

Muitas histórias de uma terra com História. Por estes dias Rio de Mouro está em festa - passe por lá.

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Intervenção no XIX Congresso do PS


Intervenção que efetuei no XIX Congresso Nacional do PS, realizado no passado fim de semana em Santa Maria da Feira:


"Caras e caros camaradas,

antes de mais permitam-me que saúde todos os militantes e simpatizantes do PS presentes nesta sala, quer como delegados, quer assistindo aos trabalhos do Congresso. Nos difíceis tempos que vivemos é preciso afirmar sem hesitações que não existe Democracia sem partidos - mas que também não existem partidos sem militantes! Não a massa ignorante e "aparelhista" que alguns bem pensantes insistem em rotular, sobretudo quando não atingem os seus propósitos - são mulheres e homens, Portuguesas e Portugueses que também vivem mil e uma dificuldades nos seus empregos e famílias, que trabalham, estudam e têm ideias, propostas e vontade de intervir socialmente, fazendo-o à custa do sacrifício das suas horas de lazer e descanso. Para aqueles que falam em "abrir" o partido daqui lhes lanço o repto - saibam ouvir, antes de mais, os militantes de base deste grande partido; saiam do conforto dos vossos gabinetes de onde opinam sobre tudo e sobre todos sem nada conhecerem, sobretudo a dureza da vida real; saibam ter a humildade de envolver os militantes do PS nas decisões a tomar; saibam ir junto deles sem ser apenas para pedir-lhes o voto nas disputas internas, mas para conhecer o País real de viva voz. Um corpo sem alma nada é - e os militantes do PS são a alma do partido, que ninguém o duvide.

Mas não deixemos que algum folclore mediático nos distraia do essencial, caras e caros camaradas.




E o essencial é que, na Crise que vivemos, o PS é de novo desafiado a apresentar uma alternativa aos Portugueses, face a um Governo e a um Presidente da República que, atuando em estreita parceria, tudo têm feito para destruir a esperança no futuro de todo um País. Sabemos que esse futuro passa pela Europa - mas por uma Europa de solidariedade, de respeito pelas diferenças, de desenvolvimento, de Cultura e de Paz. O PS pode (e deve) atuar em parceria com a Internacional Socialista para mobilizar uma luta que já transcende as fronteiras dos países e que deve ser uma luta por essa Europa sonhada e desejada por homens como Willy Brandt, Olof Palm, François Miterrand ou Mário Soares.

Por isso é determinante termos um PS forte e unido neste momento histórico. O Mundo está cheio de grandes líderes que nunca chegaram a ser - e de outros que, começando de forma discreta, se revelaram verdadeiros líderes QUANDO teve que ser. Creio ser o caso de António José Seguro e todos devemos apoiá-lo porque a tarefa que tem pela frente não é nada fácil.

Os Portugueses esperam de nós responsabilidade e capacidade para construir uma real alternativa. Não podemos frustrar essa expectativa. Que tudo aqui se discuta - mas que, após o Congresso, estejamos realmente unidos para mudar este País. Os Portugueses não nos perdoariam que perdessemos mais tempo com algumas vaidades pessoais do que com os reais problemas das pessoas!

Viva o PS! Viva Portugal!"

sexta-feira, 26 de abril de 2013

A história de Filomena

No passado dia 24 de Abril tive o prazer de estar presente na 9ª edição das Jornadas da EPAR (Escola Profissional Almirante Reis), do meu amigo e camarada Joffre Justino. 

Para alguém, como é o meu caso, que trabalha em gestão de Pessoas e Formação há cerca de 30 anos, é sempre gratificante assistir a uma iniciativa onde jovens estudantes trocam experiências e ideias com profissionais das áreas onde profissionalmente poderão vir a atuar, fazendo-o com alegria genuína, com orgulho pelo caminho percorrido e onde fica bem patente o AMOR (sim, a palavra é essa) que sentem pela sua escola e pelos seus professores. 

Gostaria, no entanto, de destacar uma das intervenções que ali ouvi - a da jovem Filomena, natural da Guiné e que atualmente exerce a profissão de Assistente Social. 

A Filomena contou-nos (de uma forma e com uma luminosidade no rosto que são impossíveis de descrever por palavras) o que tinham sido estes seus 28 anos de vida, desde que viera para Portugal, com os pais, com 4 anos de idade. Falou-nos dos seus tempos difíceis de menina (e da sua irmã) dormindo nos corredores do Metro de Lisboa com os pais ou nas barracas sujas e quentes do Sul de Espanha onde se amontoavam os trabalhadores rurais e por onde também passou com a família. Falou-nos de um tempo (muito) difícil onde nem entendia porque lhe chamavam "preta da Guiné", logo ela que nem se lembrava sequer da terra onde nascera, porque dali saíra cedo. Contou-nos como ela e a irmã foram abandonadas pelos progenitores e acabaram a saltitar de instituição social para instituição social. Mas, sobretudo, relatou como entendera cedo que precisava de ter objetivos bem definidos na vida e lutar para os alcançar, sem se deixar tolher pela falta de dinheiro, de condições ou de esperança. Por isso logrou ser a melhor aluna da sua turma quando percebeu que precisava de obter "aquela" bolsa de estudo para poder ir estudar para a Faculdade e como, ao longo do tempo, conseguiu apoios para ir estudar no estrangeiro, conhecer outras pessoas, outras culturas e tornar-se "nesta" Filomena que ali silenciou a plateia com a sua presença simples mas tão gratificante. 

Especialmente tocante o momento em que evocou o "regresso" à "sua" Guiné, depois de perdoar a mãe que a abandonou e fazer, com ela, a viagem de carro desde o Norte de África até à terra natal. Nesse regresso a Filomena entendeu que ali era o seu lugar - por mais que viajasse ou trabalhasse noutros pontos deste Mundo. Percebeu-o pelos cheiros, pelo calor, pela brisa, pela impressão de que já ali tinha estado e tudo aquilo tinha ficado impregnado no seu sangue. Decidiu ajudar e criar uma organização para ajudar mulheres que trabalham os campos, sendo elas próprias a gerir os apoios recolhidos e a disseminar os conhecimentos adquiridos. 

O tempo passou depressa ao ouvir a Filomena. Lembrei-me de um certo vendedor de banha da cobra que o Governo contratou recentemente para divulgar um programa de empreendedorismo para jovens - e de como a Filomena lhe daria "um baile" de simplicidade, determinação, liderança, empenho e prazer de viver. Ela, que tinha todos os motivos do Mundo para cair numa depressão profunda - enxugou as lágrimas que certamente chorou e fez delas um mar de oportunidades. Ela, que podia ser azeda, amarga, triste e derrotista - soube perdoar, soube fazer do pouco imenso e transformou-se na borboleta que talvez ninguém esperasse. Aos 50 anos de idade, eu aprendi imenso com a Filomena, naquela manhã, e saí das jornadas da EPAR com a sensação reforçada que Deus se revela aos Homens precisamente nestas coisas.